Artigo de Sebastião Mello, prefeito de Porto Alegre e vice-presidente de mobilidade urbana da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).
Serviço de qualidade a um preço que caiba no bolso do usuário. Essa é a equação ideal que o poder público deveria prover ao cidadão no transporte coletivo. Mas, infelizmente, não é a nossa realidade no Brasil. O mundo já viveu diferentes configurações sociais; hoje, vivemos a era das cidades. No Brasil, 86% dos cidadãos já vivem nos centros urbanos, especialmente nas grandes metrópoles. E especificamente aqui no Rio Grande do Sul, dos quase 11 milhões de gaúchos e gaúchas, um terço habita a Região Metropolitana da capital.
Sair de casa cedo para trabalhar e voltar tarde, dependendo do transporte público para se deslocar de bairros periféricos ao centro ou partindo ainda de cidades vizinhas é a realidade de milhões de brasileiros. Entregar transporte público de qualidade requer alto investimento e olhar tanto para o sistema e diversidade de modais como para a infraestrutura de tráfego das localidades. E isso não se faz apenas com os cofres enxutos dos governos locais. Infelizmente não veio para a vida real o comprometimento de todas as esferas na busca de soluções para qualificar o atendimento ao cidadão, com uma tarifa justa.
Os governos brasileiros acumulam encorajamento histórico ao transporte individual por carros, com incentivos substanciais à compra de automóveis, enquanto há uma triste ausência de políticas públicas nacionais com linhas de juro zero para modais como metrô, VLT e ônibus elétrico, por exemplo. Somado ao problema real de financiamento, existe uma lei federal que sobrecarrega o custo da passagem e hoje não tem contrapartida da União — a isenção irrestrita aos idosos a partir de 65 anos. Uma conta que acaba sendo paga pelos demais passageiros e pelos municípios.
Em Porto Alegre, é a prefeitura quem custeia a isenção dos idosos, que corresponde a R$ 85 milhões ao ano. Uma decisão que implica sacrifício financeiro para que o usuário não tenha aumento de tarifa desde 2021. Mas é uma conta injusta e que não fecha. O Plano Nacional de Assistência à Mobilidade dos Idosos em Áreas Urbanas (Pnami), já aprovado pelo Senado, poderá resolver parte do problema.
Mas é urgente a criação de um marco regulatório — como na saúde (SUS) e na assistência social (SUAS) — para uma verdadeira divisão de responsabilidades. Essa é a nossa bandeira na Frente Nacional de Prefeitos (FNP). Não é o caso de apenas cobrar do governo federal e dos governos estaduais; os municípios querem e devem manter seu protagonismo nessa estratégia de atendimento essencial ao cidadão. O que não pode é o transporte coletivo ser somente competência das cidades, com as finanças cada vez mais combalidas e compromissos crescentes — vide a reforma tributária, que vai concentrar ainda mais na União a gestão das receitas dos impostos.
Assim como saúde, assistência social e educação, transporte público é qualidade de vida para a população mais vulnerável e que mais precisa do poder público. Nossa nação precisa abrir os olhos para a mobilidade humana como símbolo de dignidade e cidadania.